Estratégias para chegar no chão
- VAM Magazine
- 4 de jun.
- 3 min de leitura
Eu, que sempre fui inimigo do ritmo, ando meio invocado com a dança, ultimamente. Toda quinta-feira, viro a esquina de casa e logo ali na Teodoro Sampaio vou para a minha aula de dança contemporânea no chão. Isso mesmo: “estratégias para chegar no chão.”
Sempre tive mais tendência à curiosidade e, agora, esta tem se intensificado a ponto de eu começar a flertar com a carreira de DJ e a aprender dança contemporânea.
Fui apresentado a Augusto Trainotti, um grande ator que diz dançar “esquisito”, mas que nos propõe uma baita investigação das estruturas mecânicas do corpo em suas aulas, por exercícios de percepção e mobilidade. Embora eu não tenha alcançado ainda, tão grande mobilidade, a dança tem feito um bem danado à minha mente atormentada.
Em poucos meses percebi uma melhor sintonia espacial e relacional com o outro e com o grupo. Ali falamos de animalidades (tipo relação cauda- rabo e cabeça); controle e abandono; força e leveza. Basicamente, são ações que não estão em pontos fixos do chão, mas sim, em grandes vetores de oposição. Observamos o tempo todo, a absorção dos impactos e o redirecionamento do corpo no espaço e para o chão. E ao final, acontece a dança!
Saio sempre pensando que estabelecer relações é como coreografar, de fato, uma dança ou tentar dançar alguma coisa junto. Por que será que as pessoas têm tanta dificuldade em dançar na vida? De onde vem esse pavor moderno de que o outro sempre pode nos tirar do ritmo ou provocar uma disritmia?
Será que negamos o fato que precisamos de alguém, de um par? A psicanálise nos apresenta o conceito de perversão, como uma espécie de mecanismo de recusa; ou seja, todos sabemos que precisamos de uma relação, mas nos recusamos a lidar com uma ou a viver nesse tipo de ciranda com os outros na vida.
Somos ótimos em distorcer a realidade e dar boas justificativas para não acertarmos o passo com o outro. Temos uma relutância, também contemporânea, para dançar junto, pois não suportamos o imprevisível e que dele poderá emergir vínculos interessantíssimos, a partir de uma experiência radical de se abrir para o desconhecido do outro. Pari passu nos vetores de oposição acima descritos.
Vivemos uma estratégia obsessiva, na qual a dança dos relacionamentos precisa ser leve e tranquila e com passos sempre harmoniosos, dos quais podemos pensar em vários subtextos: leve e tranquilo, pois sem envolvimento, sem risco, sem queda, sem sofrimento ou sem trabalho emocional algum. Relação leve é relação morna, empobrecida e desafetada. São pessoas que vivem a vida em banho-maria, sabe? Não existe relação afetiva leve quando nos recusamos a pensar a realidade como ela é... isso é uma espécie de perversão! Nessa dinâmica moderna, recusamos o ritmo, a escuta e o encontro com o outro. Do ponto de vista psicanalítico, ter pavor de relações ou fazer relações em série para não se envolver efetivamente, é absolutamente perverso. Isso pode ser até humano, só que o problema é quando se torna repetitivo e fixado.
Vivemos numa sociedade de consumo perversa que se recusa a pensar em coisas que o dinheiro não compra, pensar que há coisas e relações muito melhores que as objetais, que não estão nas vitrines, gôndolas ou aplicativos.
A coragem para começar a dançar é a mesma de se relacionar, pois é preciso abrir mão do controle e se deixar abandonar no outro, assim como eu solto o corpo no chão nas aulas do Augusto. A vida é queda! O amor é precipício. Nada leve ou tranquilo, felizmente!!!

Diógenes Carvalho é Ator, Advogado, Professor Associado da FDUFG e UNIALFA/FADISP, Pós graduado em Psicanálise Clínica e Psicanalista em formação pelo Instituto Sedes Sapientiae/SP, Pós-doutor em Direito pela FDUSP/UFRGS e Psicologia pela PUCGO, Doutor em Psicologia pela PUCGO e Mestre em Direito pela UNIFRAN/SP.
@diogenesfc
@augustotrainotti_
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