Amor não é um bem de consumo
- VAM Magazine

- 8 de jul.
- 3 min de leitura
Parece-me que estamos nos relacionando com os outros sob a mesma lógica do consumismo. Cotidianamente, escutamos e vivenciamos inúmeras histórias de desaparecimento, apagamento e descartabilidade dos vínculos e das relações afetivas. Tais experiências são atravessadas, com frequência, por formas sutis de rejeição — aquelas que não se expressam por um “não” direto, mas se manifestam por meio de jogos e gramáticas de distanciamento.
Dentro dessa lógica social, os sujeitos se veem cada vez mais apressados em usufruir e, logo em seguida, descartar objetos e pessoas, sem jamais encontrar algo que verdadeiramente os satisfaça. Quem é o “melhor” consumidor, segundo os valores do consumismo? Aquele que sabe descartar, jogar fora e consumir mais — pois aí reside o seu gozo. A ideia de satisfação imediata das necessidades promove o uso instantâneo e a rápida substituição dos objetos destinados a saciá-las. Tudo se torna objeto. Novas necessidades exigem novos produtos, os quais, por sua vez, geram novas necessidades e desejos — constituindo um círculo vicioso.
No entanto, é impossível que um mesmo estímulo produza, em sucessivas exposições, a mesma intensidade de reação que causou na primeira vez. Com isso, torna-se necessário um bombardeio contínuo de novos estímulos, o que leva à construção de um tipo de laço social cada vez mais frágil, efêmero, superficial — sem espaço para enraizamento ou permanência.
Ao sairmos do campo do consumo de objetos e nos voltarmos ao sujeito, somos inevitavelmente afetados pelo outro. É nesse encontro que nos reconhecemos, tanto em nossos sentimentos quanto em nossas emoções — especialmente através do olhar. Não somos nada sem o outro; não existe uma essência puramente individual.
Os discursos contemporâneos de autossuficiência, autopreservação, autocuidado e “autoamor” acabam, muitas vezes, por nos distanciar do que temos de mais genuíno. Nascemos e morremos nas mãos de outro — nossa dependência é radical, muito mais do que gostaríamos de admitir. Somos, profundamente, entranhados no outro.
Tudo aquilo que evitamos ou deixamos de elaborar retorna, de alguma forma. Por isso, não adianta “saber” descartar pessoas, pois o desaparecimento é uma ilusão. A rejeição — e o ser rejeitado — nos ronda o tempo todo: é da ordem do humano, é originária. Precisamos de mais respeito com a nossa vida psíquica — e com a vida psíquica do outro —, pois todos nós necessitamos ser amados, compreendidos e sustentados nas nossas ambivalências afetivas mais profundas.
Nesse contexto, é fundamental reconhecer que podemos existir de múltiplas formas: podemos existir nas ausências, podemos existir em potência; podemos existir como objetos ou como sujeitos — quando somos reconhecidos em nossos medos, vazios, dores, vulnerabilidades e complexidade. Se nos reconhecemos como sujeito, abrimos espaço para a alteridade verdadeira.
Muitas vezes, descartamos os vínculos e nos afastamos exatamente daqueles lugares onde fomos mais tocados. Quando o mais transformador talvez fosse justamente permitir-se afetar — sem fugir, sem descartar de antemão.
Acho que é isso. Pensando aqui... o amor não é um bem de consumo; é sorte de quem consegue cultivar alteridade e solidariedade. Alter, em latim, significa “o outro”. E solidariedade me faz lembrar de “sólido”: alguém que se sente suficientemente inteiro para oferecer afeto sem temer ficar consumido ou empobrecido por isso.

Diógenes Carvalho é ator, advogado e professor universitário. Pós-doutor em Direito e Psicologia, doutor em Psicologia, mestre em Direito, pós-graduado em Psicanálise Clínica e tem diploma de Direito Europeu. Psicanalista em formação pelo Instituto Sedes Sapientiae em São Paulo.



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