O homem do ano: Jonathan Ferr, o que pensa o artista que está revolucionando o Jazz no Brasil
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O homem do ano: Jonathan Ferr, o que pensa o artista que está revolucionando o Jazz no Brasil

O pianista sensação Jonathan Ferr, aos 34 anos, é o precursor do Urban Jazz no Brasil e tem entrelaçado fronteiras musicais com o objetivo de popularizar o jazz e embalar sonhos nas periferias. Nascido em Madureira na zona Norte do Rio de Janeiro, o pianista e compositor estudou na Escola de Música Villa-Lobos, no Rio.

Entrevista: Deivid Santto - Foto: Renan Oliveira

Em 2021 foi presença confirmada em várias listas de melhores álbuns do ano com seu álbum “Cura” que contou com uma agenda de performances de piano solo.


Nosso “Garoto estandarte do jazz” acaba de estrear o seu novíssimo trabalho chamado Liberdade, álbum com 10 faixas em que o Jazz flui junto ao R&B, hip-hop e música eletrônica. Colocando o Brasil em Cartaz, Jonathan Ferr é um dos nomes mais celebrados da nova geração do jazz brasileiro.


Jonathan Ferr apresenta hoje ao mundo seu novo álbum, “Liberdade”. Com participações especiais em todas as 10 faixas, das quais 9 são inéditas – a única já conhecida do público é “Lá Fora, com Coruja BC1 e Zudzilla -, o projeto representa mais um passo em direção à democratização do gênero instrumental – uma das principais bandeiras do pianista carioca. Leia a seguir nossa entrevista para a capa da VAM Magazine e incentive cada vez mais a arte que aqui nasceu!

Como está sendo para o garoto que aos 8 anos de idade tocava teclado em Madureira e que agora se tornou pianista referência no Jazz brasileiro? É muito louco, olhar para trás e ver o caminho longo que percorri até aqui, perceber que venci inúmeros desafios. Eu por vezes faço um movimento que chamo de Maquina do tempo.

Eu escrevo uma carta pra ele, dizendo pro menino Jonathan pra ele não desistir, e que tudo que disserem para desestimula-lo, deve entrar num ouvido e sair pelo outro. Digo a ele que um dia ele vai estar no mundo tocando piano e coisas muito maravilhosas irão acontecer , como por exemplo ser capa de uma revista.

É como se eu assim, pudesse manipular o tempo e ir modificando o futuro, que no caso é meu presente, também faço o oposto e converso com o Jonathan de 50 anos de idade, perguntando como estão as coisas, o que ele conquistou na carreira e vida pessoal [risos].

É bem divertido e assim eu vou curando essa criança interior ao mesmo tempo que o empodero.

Como é sua relação familiar hoje no que diz respeito a sua carreira? É muito boa. Meus pais tem muito orgulho da caminhada. E embora nossa família tivesse poucas condições financeiras, inclusive para bancar as aulas de piano, eles nunca disseram para eu desistir. Sempre me apoiaram . E faço questão de citar aqui meu pai Josué e minha mãe Sueli. Honro a existência deles e toda ancestralidade que veio antes de mim. Sinto que eu sou o sonho vivo dos meus ancestrais que vieram a este continente sendo reis e rainhas.

Trabalhar com arte é técnica e sensorialidade. Durante sua carreira você já esteve tão sensibilizado pelo fazer artístico que chegou a pensar em desistir? Só pensei em desistir uma vez. Eu tinha 20 anos, e tinha trabalhava com um cantor que descumpriu todos os combinados que havíamos feito. Me senti super desrespeitado e resolvi arrumar um emprego com telemarketing. Mas não teve como ficar mais do que 3 meses.

A música me chamou de volta, e depois disso eu prometi para mim mesmo, que nunca mais me distanciaria da arte. E cá estou firme até hoje.

Sua maior influência são as ideias do compositor de jazz e filósofo pioneiro do afrofuturismo Sun Ra. Afrofuturismo é o movimento que usa elementos da ficção científica para dar protagonismo aos negros. De que forma a filosofia se apresenta no álbum Liberdade? Em todo tempo. O afrofuturismo está presente na minha vida e na minha arte.

Ser um homem preto e artista me torna co-resposável sobre o legado que deixarei para quem vem depois de mim. Um dia serei ancestral de outras pessoas pretas, e uso a filosofia do afrofuturismo - que foi um nome dado por um jornalista branco americano - mas que me aproprio para retomar uma história de reinado interrompida durante o processo escravagista.

Sou um artista negro em diaspora e quero contar histórias que inspirem. Seja na música, seja pela semiótica daquilo que visto e me expresso na moda, seja no cinema nas produções audiovisuais que eu produzo.

Liberdade vem de encontro a isso, assim como meus álbuns anteriores Cura e Trilogia do Amor. É tudo sobre emancipação das ideias, dos pensamentos, dos afetos e provocação de auto encontro e cura para projetar novos olhares e inspirar ações de mudanças em um Brasil colonialista que ainda é regido socialmente pelo racismo.

Sua arte tem ocupado diversos espaços e festivais que vão da periferia ao palco da casa nova-ior­quina Blue Note. Como você tem percebido a recepção do público á sua proposta artística de Urban Jazz? Estou muito feliz com a recepção do público. Quando eu comecei a gravar e lançar minhas músicas, eu achava que meu público seria uma galera jovem conectada ao universo jazz e do Hip Hop. Mas passei a perceber um público completamente diverso, de varias faixas etárias, de várias tribos, isso me deixa muito feliz. Meu lema sempre foi fazer música para conectar, desejando que os ouvintes se conectem profundamente com o mais intimo de si.

É o conceito de música-medicina que adotei para minha arte. Acredito que esta verdade que busco comunicar em minhas músicas tem feito as pessoas desejarem me ouvir e me indicar para novos ouvintes. Amo quando as pessoas me escrevem ou mesmo me falam depois do show que não me conheciam, e que se surpreenderam positivamente. Adoro perceber o frescor desse movimento de chegada de público e aumento da audiência nos apps de musica e rede social. Urban Jazz é música que atravessa a cidade.


Você é Universalista, acredita em um Deus único para todas as religiões? Eu acredito nas leis cósmicas que regem o universo. Existe padrões como espiral, presente no redemoinhos, na rotação da nossa galáxia, em experimentos de padrões geométricos que se repetem, em outras dimensões já provadas pela ciência e que não conseguimos acessar. Ou seja existe uma regência cósmica que se manifesta na arte, na filosofia e nas crenças religiosas.

Eu sou praticante da filosofia do budismo Nichiren Daishonin, reverencio minha ancestralidade no camdoblé; Reverencio a ancestralidade indígena com o povo Huni Kuin; Tomo com freqüência ayahuasca em um casa espiritualista ; Leio a cabala; Pratico Yoga; Estudo Tarot e Iching e astrologia como elementos de autoconhecimnto e magia; Já fui de inúmeras igrejas evangélicas na infância e adolescência e li a bíblia inteira duas vezes.

E todos esses conhecimentos me levam pro mesmo lugar : EU!

Para mim espiritualidade é auto-encontro. É se conectar profundamente com os seus mistérios e criar consciência de que estamos jornando no meio do universo. Eu não acredito em um Deus único!

Amo as inúmeras teologias, cosmologias e culturas espiritualistas de varias partes do Brasil e do mundo. Eu acredito que somos manifestação divinas experenciando esta vida como uma parte da existência. E quero estar cada vez mais conectado a esses mistérios, pois quanto mais eu descubro sobre mim, mais eu descubro sobre o mundo e sobre essas manifestações místicas universais que uns vão chamar de Deus, outros de Orixás, outros de guias superiores e por aí vai.

Há algum ritual que você faça antes ou depois de cada apresentação? Sim. Antes de todos os shows, eu faço um ritual de rapé, que é uma medicina indígena, usado muito pelos povos indígenas do Acre. O rapé é uma medicina sagrada xamânica, que é feito de tabaco, cascas de árvores, ervas curandeiras e plantas moídas. Após isso eu medito e busco intuir o que preciso trazer para aquele show. As vezes abro um tarot, e sempre estou atento as energias do céu astrológico daquela semana. Claro que sempre atento que isso são ferramentas, não bússolas.

E uso como aguçar meu olhar e meus sentidos, nunca para conduzir minhas escolhas de forma cega. Isso é muito importante.

No Brasil, ainda o gênero Jazz é visto como música para elite e pouco jovem. Como você percebe o mercado musical brasileiro - fonográfico e streamings- para o Jazz? Percebo um crescimento muito grande. Não só no Brasil, mas também no mundo. O Jazz vem retomando o mercado exponencialmente já faz uns 15 anos. E quando artistas de outros géneros começaram a trazer a linguagem para suas músicas e fazer colaborações como por exemplo, o saxofonista Kamasi Washington com o rapper Kendrik Lamar; O pianista Robert Glasper com a cantora Erykah Badu. E por aí vai! Isso atrai ouvidos jovens ( que não tem a ver com a idade). Para mim ouvidos jovens, são ouvidos interessados em coisas frescas, inusitadas. E o Jazz é sempre fresco, ele se renova a todo tempo e se atualiza igual sistema operacional de telefone. Eu acho isso lindo, e isso sempre me deixa instigado, pois sempre tem coisa nova pra ouvir, pra tocar, pra compor.

Isso me desafia como artista e me faz perceber um mar gigante para navegar. Principalmente no Brasil. Ainda não temos um artista mainstream brasileiro de jazz. Espero chegar logo lá! Pois acredito no poder da democratização do jazz por aqui para sair desse lugar elitista que se tornou no Brasil.

Você é o único músico instrumental com contrato com a gravadora Som Livre. Qual a importância desse espaço que você está ocupando hoje? Eu me sinto muito lisonjeado. Minha manager Tânia Artur - que é tipo minha escudeira e está comigo desde o começo da carreira - me ligou em 2020 e disse que estava com um proposta de algumas gravadoras e uma delas, era a Som Livre. Depois de algumas conversas, acertamos com a Som Livre e nos integramos ao selo Slap e fomos muito bem recebidos.

A Slap já lançou discos de artistas que amo como Céu, Silva, Maria Gadu.

Isso mostrou para mim e toda a nossa equipe que nosso trabalho está no caminho certo. Temos muita sinceridade e verdade em tudo o que fazemos e isso faz diferença, o público sente. Eu só escrevo, falo e toco o que eu vivo e sinto. E isso é tipo aquela pedrinha que a gente joga no lago e vai criando ondas. Eu sou muito grato!

No novíssimo álbum Liberdade você estreia como cantor em três músicas: Meu Sol, Lá Fora e O amor não morrerá, esta última você canta sozinho. Cantar neste trabalho foi uma necessidade inerente de expressar através do canto Ou impulso criativo? Acho que foram os dois, risos.

Eu sempre cantei minhas coisas, fiz coro em outras musicas minhas, mas não tinha ímpeto em cantar. Alias, eu acho que penso minha voz muito mais como um instrumento dentro de toda sound com os outros músicos.

Em 2021 eu fiz parte de um projeto que fui desafiado a cantar em uma composição e colaboração com o cantor Helio Flanders , e eu aceitei. Consegui achar uma temperatura na voz que gostei. Depois disso, comecei a experimentar em casa uma sonoridades usando efeitos na voz e brincando com o timbre que ela gerava, e daí nasceu a vontade de gravar cantando e tenho me divertido muito e ampliado minhas possibilidades. Com o nome Liberdade, que foi meu monotema durante um ano e meio de produção do album, pensei que precisava emancipar ainda mais o meu artista interior, e que ele precisava de mais espaço para se mostrar, e uma dessas coisas foi cantar, então cantei.

Além disso, Ter no álbum artistas como Luedji Luna, Tassia Reis, Stefanie, Rashid, Kae Guajajara, Zudizilla, Coruja, Melly, Iuna, Jesuton Avuá é também muito inspirador.


A canção Liberdade, em parceria com a cantora Kaê Guajajara, é um neo soul e jazz que encoraja o amor próprio ou é sobre amar bem o próximo? É sobre muitas coisas. Eu vivi um relacionamento que me modificou muito e percebi que havia performado o que a pessoa gostaria de mim para caber na relação. E isso é muito violento. Seja qual relação for. Então aqui eu falo de um amor que pode ser afetivo-sexual, pode ser de pais e filhos, amizade e outros amores. A comunidade não-monogamia já elegeu ela como uma de suas músicas e eu achei maravilhoso. É importante entender que amar e ser amado é maravilhoso, mas ele não deve ser usado como ferramenta de poder e controle do outro.

E depois de eu ter escrito a letra, a Kae Guajajara fechou muito bem com uma frase em seu idioma Zeeg'eté que diz :

“Exac wiramiri nehe” que significa “Olhas os pássaros”. Que resume muito bem o que é liberdade.

We Never Change é a única música em inglês do álbum.

Compartilha conosco como surgiu esta parceria com a cantora britânica Jesuton? Eu já conhecia Jesuton de shows aqui no Brasil. De uma época que ela viveu aqui. Chegamos a integrar o mesmo line-up de um festival no Rio, mas trocamos pouco naquele momento.

em 2021, a gente começou a se acompanhar mais pela internet e ela veio ao Brasil para alguns compromissos. Resolvemos nos encontrar para tomar um café e o papo fluiu tanto, que virou almoço e entramos tarde adentro falando de vida, visões de mundo, arte. E eu estava com o disco quase todo fechado e tinha essa música pronta ainda sem voz e eu lhe mostrei e na mesma hora ela começou a cantarolar a melodia. Depois foi só escrever a letra, marcamos estúdio antes dela voltar pra Europa e ficamos 9 horas imersos no estúdio produzindo essa faixa. Foi lindo. E eu também participei de uma faixa que ela vai lançar em breve. Essa será a música que iremos trabalhar na Europa e EUA.

Agradecimentos especiais: Tânia Artur com SIM Produções.

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